Por Elojac
Elza Maria Johan, moradora de rua, uma sobrevivente urbana, uma artista excluída, que apesar das adversidades possui uma capacidade enorme de produção e uma interpretação muito particular do mundo.
Conheci Elza na rua João Telles, próximo ao número 285, num posto de gasolina abandonado. Com muita dificuldade de comunicação, beirando a esquizofrenia, ela encontrou na arte uma forma de equilíbrio e catarse, deixando transparecer sua melhora dia após dia. Trabalhando com materiais reciclados inicialmente como papelão, madeira, tintas doadas pela vizinhança ela cativou a comunidade com seu talento e pureza.
Elza conta com muito orgulho ter sido casada com Paulo Johan, um pintor talentoso falecido há algum tempo que ensinou-lhe a arte de pintar.Hoje Elza e seu atual companheiro Luis Carlos, retirados do local onde estavam, vivem nas ruas de Porto Alegre sobrevivendo as custas de Charges e Gravuras.
Este acervo, hoje exposto, é resultado de agradáveis tardes na Rua Lopo Gonçalves, 234, entre os anos 2002 e 2003, quando tive a alegria de realizar uma vontade antiga de Elza, “pintar telas grandes”, com o apoio da Corfix (tintas) e recursos próprios contratei minha amiga para produzir esta série de mais de 30 telas, nunca antes expostas ou comercializadas.
Uma vez perguntei a Elza, qual a palavra , entre todas as que ela conhecia, ela julgava mais importante. Ela me olhou, franziu a testa e se aproximou, como se me quisesse contar um segredo, e disse: - SEJAMOS
domingo, 16 de novembro de 2008
Um caso de amor com a arte
Por Liara Castro
Elza Maria Johann descobriu que a pintura em sua vida não era só um romance com o passado. Do atelier de seu falecido marido, a aprendiz foi parar nas ruas de Porto Alegre e descobriu sua realização como pintora de quadros abstratos, feitos em superfícies tiradas do lixo. Mesmo enfrentando dificuldades para sobreviver, a moradora e artista de rua conta um pouco de sua trajetória e de seu encontro com a arte.
Através de uma história de vida peculiar, marcada por perdas e dificuldades, a artista de rua Elza Maria Johann encontrou na expressão uma forma de relacionar-se com o mundo. O prosseguimento de um aprendizado superou as barreiras da dor e tornou-se um meio de sobrevivência. Seu falecido marido era pintor, criava flâmulas, cartazes, logotipos, caricaturas e retratos falados para a polícia. Antes dele morrer, há três anos, pediu que ela desse continuidade à sua carreira. “Tive que doar minhas duas filhas e vender tudo que tinha para sobreviver, após a morte de Paulo. Acabei indo morar em um viaduto na Borges de Medeiros. Dormia no relento. Foi lá que eu comecei desenhando numa caixa de papelão com grafite. Encontrei uma gravura com a figura grega que simboliza a justiça e resolvi criar em cima daquilo”, declara, emocionada. “Quem pintava legal mesmo era Paulo. Ele foi um grande paisagista. Tudo que aprendi devo à sua memória”, conta.
Depois de três anos perambulando por vários pontos de Porto Alegre, catando latas, vendendo sucos e sanduíches nas ruas e fazendo freguesia através da pintura, Elza conseguiu um lugar fixo para expor seus quadros e acomodar suas coisas. A calçada da direita, da terceira quadra, de quem vem no sentido da Osvaldo Aranha, na rua João Telles virou lugar de referência para a clientela. Há menos de um ano, ela conseguiu moradia com o dono de um posto de gasolina abandonado. Lá, ela vive com Luís Carlos, seu atual companheiro, e seu gato chamado Ai-ai, considerado e tratado como filho do casal. O antigo posto, que antes estava transformado em um matagal, serve de abrigo e de ateliê para a pintora. “Quando viemos morar aqui, esse lugar estava muito sujo. Então começamos a cuidar. Cheguei a fazer bolhas nas mãos para limpar todo o matagal que existia”, lembra Elza, mostrando uma série de margaridas, folhagens e pimenta do reino plantados em um canteiro que fica ao lado de uma parede.
Com superfícies retiradas do lixo e algumas sobras de tinta, Elza tenta fazer o possível para reproduzir sua arte. Sempre desenhou com esse tipo de material porque lhe sai mais em conta. Insatisfeita com a falta de valorização do trabalho artesão, reclama: “às vezes, a gente tem que vender um quadro até por R$ 0,50, dessa maneira fica difícil atender à demanda dos fregueses que exigem quadros grandes e coloridos”. De acordo com a pintora, a parede da tela do posto abandonado que serve de suporte para expor seus quadros e algumas charges de Luís Carlos, já foi mais farta e colorida antigamente. A artista diz que, ultimamente, não está conseguindo transportar todas as suas idéias e confessa ter vontade de chorar quando passa em frente a uma loja de material para desenhos. “Fica difícil trabalhar com poucos materiais. Tu pensas em tantas coisas bonitas, cria algo na tua cabeça, mas não tem possibilidade de transportar para o quadro a tua criação. Um pintor precisa de bastante tinta, pincéis à vontade e superfícies de tamanhos variados para fazer um bom trabalho”, salienta.
Suas criações se dão sempre pelo turno da manhã, já que o lugar não tem energia elétrica e à noite, costuma se tumultuar quando anoitece. Conta que já foi assaltada sete vezes e que existe uma rixa muito grande entre moradores de rua e flanelhinhas. A calçada do posto, geralmente, é coberta com desenhos e pinturas espalhados pelo chão a um preço muito barato: varia de R$2,00 a R$3,00. Para sobreviver, Elza ainda cata latas e conta com o apoio dos vizinhos, que lhe ajudam através de doações. Insatisfeita com escassez nas vendas, comenta: “Sinto falta de algumas pessoas que compravam meus quadros e agora não me procuram mais. Alguns mudaram-se para outra cidade e aparecem em datas especiais como Natal e Ano Novo. Costumo escrever o nome de cada uma delas em uma agenda. Desconfio que seja por causa de meu companheiro, Luís Carlos. Elas acham que ele usa meu nome, me explora, mas não é nada disso. Nos conhecemos catando latas e estamos juntos há mais de um ano. Ele aprendeu a pintar comigo e decidimos juntar os trapos. Apesar dele beber alguns drinques de vez em quando, ela é bom para mim, me ajuda, me defende dessa piasada das ruas” , confessa.
O tempo é outro fator que interfere na vida da artista de rua. Quando chove, ela tem que expor seus quadros embaixo de uma aba para se proteger. “Passo um sufoco nessas semanas em que chove sem cessar. O frio também é outro inimigo, não tenho coragem de vir aqui para a frente. Até por que já peguei uma pneumonia no ano passado. Mas não gosto de ficar entocada, me dá uma agonia”, diz.
Sua preferência é por pintar paisagens e auto-retratos. Costuma transportar para sua arte, que define como abstrata, seu estado de espírito. “Abstrato não tem definição, é saber e não saber, é esquecer o mundo e olhar plasticamente como se fosse resolver um quebra-cabeças”, define. O segredo dela é descobrir a verdadeira forma e cor dos objetos e conquistar uma tonalidade que caia no gosto do público. Também faz quadros por encomendas. Conta que se realiza fazendo arte e que quer seguir pintando até morrer.
“ Muitas vezes, já ocorreu de eu chorar antes de vender meus quadros. A arte é exclusiva, é uma coisa que tu cria de tua mente, não é uma cópia. Quando termino um desenho, sinto vontade de ficar olhando para aquilo ali, daí chega alguém e leva”, lamenta Elza. Mesmo assim, confessa que se tivesse guardado tudo o que já pintou por aí não teria espaço e ninguém para guardar. “Se eu fosse guardar todos os quadros que fiz, cada qual mais bonito, eu teria uma peça cheia. Mas um dia eu morro e quem vai ficar com eles?”.
Elza se considera uma pintora que ama suas criações. “A arte fecha e abre a tua mente, ao mesmo tempo, para novos horizontes. Quanto mais se pensa em criar, mais dá vontade de produzir. É um bálsamo para o espírito”, enfatiza. Seus desenhos já fizeram parte de uma exposição do fotógrafo Guilherme Werle, no Museu de Comunicação Social, em março do ano passado. A artista de rua já chegou a compor uma série - O Padeiro e seus bolinhos- que teria vendido mais de 50 cópias. Baseada em um personagem de uma revista que encontrou nas ruas, lembra como compôs: “Criei do meu jeito, muito colorida, em telas grandes. Os desenhos retratavam padeiros atirando pão e colocando bolinhos em formas”. Depois disso, Elza sofreu problemas de alcoolismo e foi recolhida para uma clínica psiquiátrica por um período de seis meses.
Com primário completo, Elza é leitora da Bíblia, de livros de parapsicologia e de romances. Reclama que não gosta quando a estória termina, porque a fantasia torna-se realidade. Acredita que todos os males são aprendizados e que Deus está sempre do lado das pessoas. “Ele nos prega peças para nos fazer pensar”, diz.
Seu sonho é ganhar uma casa no sorteio do Jornal Diário Gaúcho, já que não possui dinheiro para comprar uma e está consciente que não vai poder permanecer ali para sempre. Agradece a Deus pelo simples fato de existir e acredita, mesmo sem saber o porquê de sua existência, em alguma missão que temos a cumprir. “Somos seres humanos e não bonecos. Não fomos planejados por acaso”, afirma.
Preocupada com o futuro da humanidade, a pintora confessa que tem vontade de ir para um lugar distante: “O mundo é bom, mas está acontecendo tanta coisa ruim, que a gente se desilude, se entristece, dá uma sensação de vazio”. Mesmo sem saber o rumo que as coisas vão tomar em sua vida, acredita que precisamos de uma “força” para resolvermos situações embaraçosas. “A fé remove montanhas e, através dela, a gente consegue trazer aquilo que mais se gostaria de ter. Eu levantei do nada, sem eira nem beira. Fiquei órfão no mundo. Perdi meus pais, meu marido e tive que doar minhas filhas. Até que um dia, Deus colocou uma luz em meu caminho. Foi quando comecei a pintar e quando encontrei meu princípe encantado. Agora me sinto mais protegida e com um pouco menos de solidão".
Elza Maria Johann descobriu que a pintura em sua vida não era só um romance com o passado. Do atelier de seu falecido marido, a aprendiz foi parar nas ruas de Porto Alegre e descobriu sua realização como pintora de quadros abstratos, feitos em superfícies tiradas do lixo. Mesmo enfrentando dificuldades para sobreviver, a moradora e artista de rua conta um pouco de sua trajetória e de seu encontro com a arte.
Através de uma história de vida peculiar, marcada por perdas e dificuldades, a artista de rua Elza Maria Johann encontrou na expressão uma forma de relacionar-se com o mundo. O prosseguimento de um aprendizado superou as barreiras da dor e tornou-se um meio de sobrevivência. Seu falecido marido era pintor, criava flâmulas, cartazes, logotipos, caricaturas e retratos falados para a polícia. Antes dele morrer, há três anos, pediu que ela desse continuidade à sua carreira. “Tive que doar minhas duas filhas e vender tudo que tinha para sobreviver, após a morte de Paulo. Acabei indo morar em um viaduto na Borges de Medeiros. Dormia no relento. Foi lá que eu comecei desenhando numa caixa de papelão com grafite. Encontrei uma gravura com a figura grega que simboliza a justiça e resolvi criar em cima daquilo”, declara, emocionada. “Quem pintava legal mesmo era Paulo. Ele foi um grande paisagista. Tudo que aprendi devo à sua memória”, conta.
Depois de três anos perambulando por vários pontos de Porto Alegre, catando latas, vendendo sucos e sanduíches nas ruas e fazendo freguesia através da pintura, Elza conseguiu um lugar fixo para expor seus quadros e acomodar suas coisas. A calçada da direita, da terceira quadra, de quem vem no sentido da Osvaldo Aranha, na rua João Telles virou lugar de referência para a clientela. Há menos de um ano, ela conseguiu moradia com o dono de um posto de gasolina abandonado. Lá, ela vive com Luís Carlos, seu atual companheiro, e seu gato chamado Ai-ai, considerado e tratado como filho do casal. O antigo posto, que antes estava transformado em um matagal, serve de abrigo e de ateliê para a pintora. “Quando viemos morar aqui, esse lugar estava muito sujo. Então começamos a cuidar. Cheguei a fazer bolhas nas mãos para limpar todo o matagal que existia”, lembra Elza, mostrando uma série de margaridas, folhagens e pimenta do reino plantados em um canteiro que fica ao lado de uma parede.
Com superfícies retiradas do lixo e algumas sobras de tinta, Elza tenta fazer o possível para reproduzir sua arte. Sempre desenhou com esse tipo de material porque lhe sai mais em conta. Insatisfeita com a falta de valorização do trabalho artesão, reclama: “às vezes, a gente tem que vender um quadro até por R$ 0,50, dessa maneira fica difícil atender à demanda dos fregueses que exigem quadros grandes e coloridos”. De acordo com a pintora, a parede da tela do posto abandonado que serve de suporte para expor seus quadros e algumas charges de Luís Carlos, já foi mais farta e colorida antigamente. A artista diz que, ultimamente, não está conseguindo transportar todas as suas idéias e confessa ter vontade de chorar quando passa em frente a uma loja de material para desenhos. “Fica difícil trabalhar com poucos materiais. Tu pensas em tantas coisas bonitas, cria algo na tua cabeça, mas não tem possibilidade de transportar para o quadro a tua criação. Um pintor precisa de bastante tinta, pincéis à vontade e superfícies de tamanhos variados para fazer um bom trabalho”, salienta.
Suas criações se dão sempre pelo turno da manhã, já que o lugar não tem energia elétrica e à noite, costuma se tumultuar quando anoitece. Conta que já foi assaltada sete vezes e que existe uma rixa muito grande entre moradores de rua e flanelhinhas. A calçada do posto, geralmente, é coberta com desenhos e pinturas espalhados pelo chão a um preço muito barato: varia de R$2,00 a R$3,00. Para sobreviver, Elza ainda cata latas e conta com o apoio dos vizinhos, que lhe ajudam através de doações. Insatisfeita com escassez nas vendas, comenta: “Sinto falta de algumas pessoas que compravam meus quadros e agora não me procuram mais. Alguns mudaram-se para outra cidade e aparecem em datas especiais como Natal e Ano Novo. Costumo escrever o nome de cada uma delas em uma agenda. Desconfio que seja por causa de meu companheiro, Luís Carlos. Elas acham que ele usa meu nome, me explora, mas não é nada disso. Nos conhecemos catando latas e estamos juntos há mais de um ano. Ele aprendeu a pintar comigo e decidimos juntar os trapos. Apesar dele beber alguns drinques de vez em quando, ela é bom para mim, me ajuda, me defende dessa piasada das ruas” , confessa.
O tempo é outro fator que interfere na vida da artista de rua. Quando chove, ela tem que expor seus quadros embaixo de uma aba para se proteger. “Passo um sufoco nessas semanas em que chove sem cessar. O frio também é outro inimigo, não tenho coragem de vir aqui para a frente. Até por que já peguei uma pneumonia no ano passado. Mas não gosto de ficar entocada, me dá uma agonia”, diz.
Sua preferência é por pintar paisagens e auto-retratos. Costuma transportar para sua arte, que define como abstrata, seu estado de espírito. “Abstrato não tem definição, é saber e não saber, é esquecer o mundo e olhar plasticamente como se fosse resolver um quebra-cabeças”, define. O segredo dela é descobrir a verdadeira forma e cor dos objetos e conquistar uma tonalidade que caia no gosto do público. Também faz quadros por encomendas. Conta que se realiza fazendo arte e que quer seguir pintando até morrer.
“ Muitas vezes, já ocorreu de eu chorar antes de vender meus quadros. A arte é exclusiva, é uma coisa que tu cria de tua mente, não é uma cópia. Quando termino um desenho, sinto vontade de ficar olhando para aquilo ali, daí chega alguém e leva”, lamenta Elza. Mesmo assim, confessa que se tivesse guardado tudo o que já pintou por aí não teria espaço e ninguém para guardar. “Se eu fosse guardar todos os quadros que fiz, cada qual mais bonito, eu teria uma peça cheia. Mas um dia eu morro e quem vai ficar com eles?”.
Elza se considera uma pintora que ama suas criações. “A arte fecha e abre a tua mente, ao mesmo tempo, para novos horizontes. Quanto mais se pensa em criar, mais dá vontade de produzir. É um bálsamo para o espírito”, enfatiza. Seus desenhos já fizeram parte de uma exposição do fotógrafo Guilherme Werle, no Museu de Comunicação Social, em março do ano passado. A artista de rua já chegou a compor uma série - O Padeiro e seus bolinhos- que teria vendido mais de 50 cópias. Baseada em um personagem de uma revista que encontrou nas ruas, lembra como compôs: “Criei do meu jeito, muito colorida, em telas grandes. Os desenhos retratavam padeiros atirando pão e colocando bolinhos em formas”. Depois disso, Elza sofreu problemas de alcoolismo e foi recolhida para uma clínica psiquiátrica por um período de seis meses.
Com primário completo, Elza é leitora da Bíblia, de livros de parapsicologia e de romances. Reclama que não gosta quando a estória termina, porque a fantasia torna-se realidade. Acredita que todos os males são aprendizados e que Deus está sempre do lado das pessoas. “Ele nos prega peças para nos fazer pensar”, diz.
Seu sonho é ganhar uma casa no sorteio do Jornal Diário Gaúcho, já que não possui dinheiro para comprar uma e está consciente que não vai poder permanecer ali para sempre. Agradece a Deus pelo simples fato de existir e acredita, mesmo sem saber o porquê de sua existência, em alguma missão que temos a cumprir. “Somos seres humanos e não bonecos. Não fomos planejados por acaso”, afirma.
Preocupada com o futuro da humanidade, a pintora confessa que tem vontade de ir para um lugar distante: “O mundo é bom, mas está acontecendo tanta coisa ruim, que a gente se desilude, se entristece, dá uma sensação de vazio”. Mesmo sem saber o rumo que as coisas vão tomar em sua vida, acredita que precisamos de uma “força” para resolvermos situações embaraçosas. “A fé remove montanhas e, através dela, a gente consegue trazer aquilo que mais se gostaria de ter. Eu levantei do nada, sem eira nem beira. Fiquei órfão no mundo. Perdi meus pais, meu marido e tive que doar minhas filhas. Até que um dia, Deus colocou uma luz em meu caminho. Foi quando comecei a pintar e quando encontrei meu princípe encantado. Agora me sinto mais protegida e com um pouco menos de solidão".
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